"Refrigeradores Sturm" dá até frio na espinha


O processo de criação artística pode ser um parto ou um cuspe. Quem não carrega seus sonhos em malas e cases não anseia tanto pela chegada do ônibus quanto pelo próximo lampejo poético. Que não sabe do martírio de provar, na réplica, na tréplica e no choro, que toda aquela "perda de tempo" é mais... e só fez sentido o dia que você conseguiu pagar uma conta em casa, com fruto da árvore, que pela boca da mãe ouviu que nunca ia vingar. Não sabe!
Vocês não sabem sobre isso. Atrás das suas mesas, não tem perspectiva até esse ponto de vista. Atrás das grades no Municipal (onde o maestro Neschling além de meter a mão na batuta também metia a mão na grana), você tem o carinho da polícia militar e da guarda civil, (que sonha ser tão violenta quanto a PM). Vocês estavam tão elegantes... Olha esse sapato! Daqui eu consigo ver o brilho e o reflexo do giroflex. Não passa pra esse lado da grade não viu? Não. Jamais agrediríamos vocês... Só estamos aqui pra pedir de volta metade da esmola que era nossa, lembra? Só falei pra vocês não virem pra esse lado pra não correr o risco de pisar em bosta de cavalo com seus sapatos Stefano Bemer... coisa muito fina, nem sei se é assim que escreve.
Antes de parar aqui e unir minhas mãos a outras, que disparam gatilhos distintos dos seus, e dar um melancólico abraço de ferro no Theatro Municipal, abracei muitos amigos e aplaudi os professores. O Chico César estava lá... cantou uma música que eu gostaria de ter escrito, letra linda, junto com aquela chuva que estava pendurada apenas por uma corda Mi de um violão sem capa... pronta pra cair. Me emocionou, mais precisamos partir.
E como pode sair pra reivindicar e ser tomado por esses sentimentos? Essa porra toda não é luta? Parou o centro da cidade pra ficar aí tendo rompantes poéticos sentimentais?
É que a palavra é descongela! A percussão bateu pra derreter... A boca abriu como se não precisasse da voz amanhã e o dedo médio se lançou como o zoom de uma tele objetiva, entre os olhos dos que constroem muros de gelo. A banda não parava, e seu baterista em cima de uma caminhonete tocava com a empolgação de quem abria um show do Led Zepellin... até que sentamos. Isso! Sentamos na rua em frente a secretaria de cultura e paramos os instrumentos. Convocamos os covardes para botarem as caras nas janelas... e entre vaias e vidas tivemos o ilustre apoio de Mário de Andrade, que não sei se pela distância me lembrava muito o Dr. Abobrinha. Mário de Andrade declamava com a força que deve ter, tudo aquilo que for contra a burguesia, o poema "Ode ao burguês", e nós repetíamos com a força que deve ter tudo aquilo que for contra a burguesia.
 Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, o burguês-burguês! Eu insulto o burguês! O burguês- níquel, o burguês-burguês!
E como foi gostoso repetir isso!
A revolta vai muito além... E não posso aceitar que minha única condição, seja pegar minha carteira de trabalho tão pura de carimbos, arrancar-lhe as folhas, fazer origamis com elas e distribuir na praça da República como um gesto de paz. Acredito não ter habilidade pra tal, e nem paciência. Apesar da miscigenação e dos meus olhos puxados, acredito não ter uns primos japoneses, tenho certeza que to mais pra índio. Falando nisso... e o projeto Aldeias?
Novamente de pé, seguimos... Para gritar em frente a prefeitura que esse é um ato sem perdão. E novamente de pé, além do descongelamento, queremos a cultura em mãos mais "sensíveis" a causa e mais combativa aos que tentam diminuir sua importância, pois os que estão aí, são tudo coxinha da mesma padoca.

                                           

No dia 27 de março de 2017, artistas fizeram uma grande manifestação no centro de São Paulo contra o congelamento de 43,7% da verba da Secretaria Municipal de Cultura imposta pela gestão do atual prefeito João Dória.
O ato teve início as 15h em frente ao Theatro Municipal, passando pela Secretaria de Cultura, Prefeitura e tendo seu desfecho novamente no Theatro Municipal, onde os manifestantes realizaram um abraço simbólico em torno do teatro que estava cercado por grades, impedindo a aproximação da população, para receber um encontro do prefeito Dória e seus amigos empresários. Uma clara e ao mesmo tempo simbólica separação entre a burguesia e a classe trabalhadora, justamente no dia Internacional do teatro e do circo.

NÃO TEM PERDÃO! 



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