Subi
a rua Augusta a 15km por hora.. não estava naquele trânsito
infernal de São Paulo. Ia a pé rumo a Av. Paulista. Dia de
protesto. Greve geral! Nem tão geral assim, ainda mais em São
Paulo, reduto de grandes empresários e pobres de direita, que comem
as sobras do patrão e acham que são da família, e que apoiam
veemente as reformas.. previdência, trabalhista, educacional... do
digníssimo presidente brasileiro Fora Temer! E como diria meu velho
pai: "Essa gente é igual galinha, toma no cu e sai cantando".
Foto Sato do Brasil |
Entre
gritos de ordem, carros de som, discursos, placas, faixas, roupas...
me sentia um cidadão, parte da história que não será
televisionada. Não foi a primeira e nem será a última vez que
participo de uma manifestação, mas me encontro com o pessoal do
Arrastão dos Blocos, diversos blocos de carnaval reunidos contra
essa porra toda!
Em
poucos minutos, só de cumprimentar as pessoas, já me percebo
purpurinado. Não me resta outra alternativa... pegar uma breja e
seguir nesse carnaval revolucionário, que em nenhum momento
fantasiou minha indignação, que passam pelas propostas golpistas e
seguem o rastro de sangue da Cláudia Silva Ferreira, que há três
anos foi arrastada e morta pelas ruas do Rio de Janeiro por policiais
militares... e nem ameniza o ardor das chamas criminosas na cidade
Paraíso, que na verdade é o inferno da especulação imobiliária.
Essa
desconstrução do formato de protesto por si só já era de uma
valia estrondosamente encantadora. O choque não vinha pelas portas
de bancos quebradas, pixações, e tals (não que eu seja contra)...
e sim através da alegria, da criatividade do brasileiro de se
reinventar e apresentar de uma forma simples toda diversidade que nos
move para lutar contra esse machistério que nos governa.
Logo
de cara já passaram o recado, inclusive para aqueles que estavam do
mesmo lado, mas com um pé atrás por acreditar que o carnaval
poderia desconfigurar a manifestação... (quem vai jogar os
coquetéis molotov?). Longe da caretice e da tentativa de menosprezar
essa cena estava Jamelão, figura icônica do Bixiga, que se
travestia de Dilma e com o estandarte do seu bloco Cordão do Jamelão
dançava e cantava com coração o hino 'Golpe nunca mais'.
“... Não tem coxinha, pato, nem filé mignon.. tem bandeiras coloridas, nheco nheco no baphon. Tira seu ódio, vem vestir a fantasia. Desce do Moro, rala o Cunha até o chão. Justiça mercenária, congresso obscuro, se ele eles se acham macho nosso grelo é duro.”
Eu
vinha junto naquela onda e quanto mais chegávamos perto do MASP mais
pessoas se juntavam ao Arrastão e se deliciavam com as marchinhas de
carnaval transformados em protestos. Ali os caminhões dos sindicatos
davam o seu discurso, que me soavam cada vez mais clichês e
cansativos.
Fui
dar uma volta e pegar outra cerveja “pra ficar pensando melhor”.
Uma folhinha distribuída com as letras do Arrastão dos Blocos surge
inesperadamente na minha mão e pude sacar melhor toda ironia
inteligente encaixada naquelas versões.
como
a clássica Jardineira...
“O
Jardineira, por que estás tão triste, mas o que foi que te
aconteceu? 'Foi o governo desses tais golpistas que tirou conquistas
e me emputeceu'”
ou
famoso Balancê...
“Ô,
balancê, balancê.. querem ferrar com você. Vai trabalhar até
apodrecer e a pensão vai encolher”
Mas
nada se supera a versão de Mulata Bossa Nova, tocada já pelo fim da
noite, mas ainda assim a mais empolgante e entoada em coro pela
multidão.
“Reaça escravocrata, saiu na passeata.. mas que delícia.. ieieieieieieieie.. selfie com a polícia”
Fora
de série!
Nunca
havia visto nada igual... a caretice paulistana sendo gozada em seu
próprio antro. Sem panelas e muito menos camisas da CBF (e quem vai
pagar o pato?).
Não
faltou homenagens nem ao atual prefeito da capital paulista.. aquele
mesmo o João trabalhador, que estipulou uma multa gigantesca para
quem fizesse greve. E como ele adora se fantasiar uma marchinha
carnavalesca não podia ficar de fora.
“Esse
prefeito é pura fantasia. Trabalhador, cadeirante e gari. E na
parada gay, só quero ver como ele vai sair.”
Foto Sato do Brasil |
É
uma manifestação artística, política e cultural... É a folia da
democracia... É a revolução dos manifestos... É a crítica
irônica no país da piada pronta... é a nova tríade de uma nova
geração...
“Com garra, tesão e carnaval. Fazer bom caldo desse caos.”
Amém!
Por Fagner Branco