umo ao centro de São Paulo, preciso descer um ponto antes do meu destino
pra mijar em algum lugar que não o ônibus. Já aliviado, penso o quanto devo estar atrasado pra meu encontro com a Rainha das festas, então aperto o passo.
Minha pressa dá uma pausa... paro e entro em um mercadinho para comprar mais uma long neck. Sempre com a supervisão hostil do segurança bombadão me olhando com aquela cara de que não passou na prova da PM dois anos atrás, mas nunca perdeu o desejo de repressão! Saí soltando praga... “tomara que de uma câimbra bem no cu dele”.
Cheguei. Não só em tempo de conhecer a Tchaka como de presenciar muitos centímetros de cílios e uma infinidade de cores radiantes, num aroma de perfume e vinho. Um encontro maravilhoso entre grandes Drag Queens brasileiras, nos ensinando um novo modo de viver e como viver sem modos.
Uma drag não tem que pedir licença. Por favor. Tudo bem, posso entrar no ambiente? Sou Drag Queen, Rrrrráaaaaa! A gente não deve crucificar os contornos, as libélulas... não... A gente vem para incomodar, para fazer com que a sociedade fale... nossa, que arte estranha, que arte linda!
Olha que coisa gostosa... o mundo vai acabar hoje, apenas três raças sobreviverão, as baratas, a Cher e as Drag Queens! Porque nós somos adaptáveis. Há 50 anos a drag não era essa coisa exagerada, era mais as divas de hollywood, era aquela coisa do teatro de revista, aí depois veio a reciclagem, as meninas mais Gisele Bündchen, top... Nos anos 80 a Rupaul's já tava por aí. Somos totalmente súditas de Rupaul's. É a maior do mundo. Desbravou. Então a gente se inspira em Rupaul's que ainda é a grande referência.
Somos atores, e descobrimos que uma personagem pode nos sustentar e nos fazer feliz..Com gins, terapias, amigos, chocolates e gozadas. Se a gente consegue acordar e falar vou me maquiar entrar em cima de um salto, peruca, espartilho, enfrentar o trânsito, chuva, Temer e ainda levar alegria pras pessoas... é por ai o caminho.
Se transformando nessas Deusas, nessas Divas, além de levar alegria, a gente agúça o sonho de outras pessoas. A Tchaka aparece na TV no jornal e com essa exposição da mídia surge coisas assim...
“Oi, eu sou de Manaus e tenho 11 anos e sou uma travesti”
“Oi, eu tenho sete anos, posso trabalhar de empregada doméstica pra você?
“Oi, você é minha diva maior eu te amo para sempre.. qual é o seu nome?
Tudo isso aparece em nossos inbox. Como a gente vai lidar com isso? Estamos falando com adolescentes, pré adolescentes, crianças, com seres que estão se descobrindo.
Os professores e educadores que tem uma consciência libertária, de mente aberta mesmo, constrói formas, possibilita outras pessoas a pensar fora da caixinha. Estímula essa consciência e mostra mesmo. Quem vai decidir ou não, deixa a vida, deixa eles! O que é de menino? O que é de menina? Se é rosa ou azul? Pára... tá tudo aí!
Tem uma galera que ainda confunde tudo. Será que é uma travesti? Será que é uma menina de programa? Será que é uma travesti que faz programa? Então as vezes tem essas perguntas. Você faz o book rosa? o book pink? ou book colorido? Não!
A Drag Queen até pode fazer se ela quiser, mas faz de graça né!? Se o menino for bom hahahahah.
Eu já fiz muita coisa, são mais de quatro mil eventos e ainda chega jornalista e fala... “Tchaka que tipo de família tradicional brasileira vai comprar sua animação”?
Eu proponho pra nós irmos juntos. Eu não vou rir de você e você não vai rir de mim é nessa onda. Faço animações em festas da comunidade judia, eu vou na hebraica dar palestra, eu vou numa tradicional colônia oriental. E também é assim com os evangélicos, se a gente vai e consegue fazer umas brincadeiras que sejam inclusivas, que sejam teatrais... Claro que existe uma resistência, mas eles percebem que podem brincar quando você ganha a confiança. Trinta segundos para conquistar a confiança da plateia.. ganhou, você conduz para onde quer com responsabilidade e que todo mundo seja feliz. O infantil por exemplo é muito engraçado, as vezes me confundem com a Barbie, com uma bonequinha. Tenho mais dificuldade com adolescentes, que ainda tem aquela desconstrução... "mamãe não quero festa"... "que porra é essa e não sei o que".
Como rainha das festas, uma boa festa pra mim tem que ter olho no olho, verdade... um pouco de conhaque, de gin e de pessoas de tribos diferentes. A miscelânea, a mistura é o que me agrega. Eu tenho amigos completamente diferentes. Tenho amigo missionário, advogado, certinho, todo engravatado, tenho amigo maconheiro, político, evangélico... A gente bebe, a gente conversa, a gente brinca e a gente briga.
O que me alimenta é a arte. É minha família, o meu amor, o meu cara, meu homem... meu comedor. É com ele que brinco, me divirto, saio pra tomar porre...E é isso. Para que eu possa levar toda essa alegria para o mundo.